Se fizermos fé nos relatos da nossa história "sebastianina", há séculos que o nosso país sofre de um disturbio atmosférico, que nos impossibilita de enxergar a realidade tal qual ela é (não confundir com o problema do nosso PM). Portanto, não foi motivo para grande admiração, quando nos confrontámos no primeiro dia do Campeonato Ibérico de Orientação, em terras beirãs da Idanha, com um espesso manto de nevoeiro, onde uma boa faca não surtiria qualquer efeito.
Segundo o comentário dum "nuestro hermano" – "se parece la niebla de Alicante!" – fiquei convencido que este género de tempo não é de exclusividade lusitana e como de Espanha nem bom vento, nem bom casamento, de certeza que a espécie de nevoeiro ibérico também não é de confiança.
São condições climatéricas, que me deixam o moral deveras fragilizado, pois se sinto alguma dificuldade em me orientar com dias radiosos, façam uma ideia dos obstáculos que tive de superar, perante uma visibilidade a roçar a dezena de metros. E para o cenário se tornar mais aterrador, a prova iria decorrer num terreno onde as "pedrolas" ditam leis. Devo confessar, nevoeiro e pedras é uma receita explosiva que não me cai bem, provoca-me náuseas, amedronta-me as meninges, desorienta-me os neurónios e obriga-me a cometer a mais diversificada panóplia de idiotices que alguém possa imaginar.
A partida para a etapa de distância média, onde teria de me desenvencilhar de dezanove pontos em 4.000 metros, foi colocada de modo a aumentar a apreensão do pessoal, que ainda aguardava a entrada em competição. Mal saíam, os atletas tinham de descer uma escarpa, sendo imediatamente engolidos pelo nevoeiro, assemelhando-se a uma escada de acesso ao "mundo das trevas". Não acredito que esta opção tenha sido propositada, de forma a amedrontar-nos, mas que surtiu um efeito surpreendente, disso não tenham quaisquer dúvidas.
Tentei não me deixar influenciar pelo ambiente, mas custou-me bastante a entrar no mapa, pois mal meti o pé em prova, dei logo início a uma quantidade de equívocos e hesitações, que não descortinava maneira de progredir para atacar a primeira baliza, que distava do triângulo uns "enganadores" 400 metros. Seguindo por azimute, embati numa falésia de inclinação perigosa e envolta num mato intransponível. Sondo outra reentrância vizinha e o resultado foi idêntico. Como não via a "ponta dum penedo", perdi uns preciosos minutos neste vaivém de desce e sobe, escorrega e não cai.
Então de repente tive uma ideia peregrina – e se analisasse o mapa para encontrar uma solução? (ah!...o mapa, parece que tenho um, algures na mão esquerda). Apesar da carta geográfica estar carregada de detalhes (demasiados para meu gosto), havia a necessidade de os confirmar no terreno, mas com aquele nevoeiro tão denso, não se apresentava tarefa fácil.
O ponto situava-se a uma centena de metros dum caminho ladeado de muros que cortava o mapa, o que na pior das hipóteses, seria uma óptima referência para me relocalizar, se esbarrasse nele. Tactica rudimentar, ao melhor estilo do "espécie", mas que na prática resultou em pleno e nem tive de bater com o nariz nos muros. Quinze minutos a fugir de vegetação chata e a contornar "pedrolas" que me iam surgindo, como por magia, do meio da neblina, período durante o qual fui assolado diversas vezes pela deprimente ideia – "por este andar, cheira-me que não vou conseguir terminar".
Depois dum início desastroso e algo comprometedor para um final feliz, os problemas foram atenuando, por força de uma leitura mais exaustiva do mapa, em detrimento de progressões mais ágeis. No entanto, o que veio marcar pela positiva a segunda metade do percurso, foi o afastamento do nevoeiro, que assim me deu hipóteses de lutar em pé de igualdade com as malfadadas "pedrolas".
A partir do ponto 5, onde tive de transpor (ou destruir?) um sem número de muros para o alcançar, tive oportunidade de me aperceber do enxame de orientistas ibéricos que palmilhavam aquelas penedias (seriam mais de um milhar). Assim, o colorido é mais nítido e transmite outra alegria ao praticante, mesmo que estejemos a falar de terrenos acidentados e pedregosos.
Outro facto de que me apercebi, é que os companheiros espanhois fazem tábua rasa do regulamento, no que concerne à...nem sei como dizer...à...à...à "permuta de informações tecnicas em pleno momento de pura orientação" (para bom entendedor, termos complicados bastam, hehe).
Galvanizado com o desaparecimento do nevoeiro, numa zona menos agreste e uma bem conseguida sequência de pernadas, elevam-se-me os níveis de confiança e quando "regresso à terra", já me encontro a correr por entre as "pedrolas", convencido que consigo interpretar os pormenores em andamento (lírico!). Uma vez mais, esqueço dolorosas experiências anteriores e o ponto 11 só foi picado, depois de bater "estrondosamente" no 12 – só não me aleijei porque a baliza estava colocada num elemento com água (hehe).
Ainda não me habituei à recente novidade, que agora me desloco um pouco mais rápido, o que me obriga a ter alguma cautela, neste género de progressões pretensamente menos complicadas. Os treinos estão a dar resultado, mas infelizmente, apenas em termos físicos, porque tecnicamente...esqueçam! vou dando liberdade à minha inspiração de "espécie".
Para a "istória" fica 1.12,47, um humilde registo que não me provocou qualquer tipo de constrangimento, dado que houve malta que se atascou bem mais do que eu. Contudo, comparando com os tempos realizados pelos primeiros, precisei de fazer um esforço suplementar para engolir tamanha disparidade.
Não posso deixar de fazer uma referência ao embate entre as selecções ibéricas, que se realizou simultaneamente. Nos doze títulos em disputa, nas diversas categorias, Portugal venceu sete. Pelos vistos este nevoeiro não tinha nenhuma costela andaluza.
Entretanto, um episódio insólito ensombrou a nossa comitiva. O "estranho desaparecimento" do equipamento nacional duma atleta, "obrigou-a" a competir com vestuário neutro, o que diga-se em abono da verdade, foi uma situação desagradável que poderia (e deveria) ter sido evitada.
Da parte de tarde, debaixo de uma chuva impiedosa, disputou-se a prova de sprint pelas artérias de Idanha-a-Nova, onde só os craques das selecções tiveram acesso, tendo a representação lusa voltado a vencer a sua congénere espanhola, arrecadando oito vitórias. No final do primeiro dia o "score" de 15 a 9 apresentava contornos de goleada.
Com tanta chuva e nevoeiro, Portugal só podia ser primeiro (o que eu adoro estas rimas "naif", hehehehehe).