Até que enfim começou a festa anual da Orientação, para acabar de vez com as minhas noites mal dormidas, já me sentia cansado de tanta insónia. Não via o momento de pegar nas mochilas e abalar, ao encontro de quatro dias de alta competição, onde eu depositava forte esperança de se virem a tornar em mais um sólido marco na “bela istória” da espécie de orientista. Para o melhor ou para o pior, mas sempre inesquecíveis.
No dia inaugural, o destino dos 1.350 atletas provenientes de duas dezenas de países, estava marcado para os arredores de Mora, na Mata do Cabeção, localidade que não poderia ter denominação mais sugestiva, que encaixa como uma luva na nossa modalidade. Não é verdade que todos nós vamos conhecendo os cabeços orográficos, que não raras vezes nos põem a cabeça à roda, deixando no final das provas muita gente cabeçuda? (na minha terra é mais pró melão) Ora aí está!
E dizem vocês – “lá vem o espécie com as suas analogias rebuscadas”. Concordo plenamente, mas pelo sim pelo não, tomei o devido cuidado de não me transformar em mais um cabeçudo, no reino dos “cabeças grandes” ou dos “enormes cabeços”, tanto faz, o resultado é o mesmo. Sobressaiu o lema “correr até não poder”.
Tenho o pressentimento, que o mapa apresentado foi de molde a não estragar a abertura da festa a ninguém, ou seja, em jeito de aquecimento, num terreno uniforme, a fazer lembrar as suaves dunas do litoral, sem obstáculos de maior, a proporcionar um grande gozo aos corredores e a deixar toda a gente satisfeita com a sua prestação (com excepção dos cabeçudos, hehe). Um simpático cartão de boas vindas do CPOC, a quem coube a organização do evento.
Claro, que se estou com toda esta conversa fiada, é porque a jornada não me terá corrido mal, senão já tinha descrito um relambório de queixas e lamentos. De vez em quando e para não tornar estes relatos enfadonhos, o “espécie” transcende-se e comete umas proezas gloriosas (infelizmente sem continuidade).
Também não embandeiremos em arco, não foi assim um “graaaaande” feito. Atendendo ao que é usual na distinta carreira do “espécie”, digamos que consegui um resultado moralizador, que desanuvia um pouco, o ambiente gerado por consecutivos comportamentos frustrantes.
- “Afinal vais ou não dizer em que lugar ficaste? Ainda pensam que bateste o Albano! ” – “Chiu! Caluda! Sua “vozinha” maçadora. Eles que fiquem na dúvida”.
Posso vos adiantar, que foram os 4.200 metros mais rápidos que alguma vez realizei em provas da Taça. Após dezoito controlos, numa média de progressão bastante aceitável e competindo com seis dezenas de companheiros, mais de metade estrangeiros, constatar que superei a fasquia a que me tinha proposto, só poderia ficar de peito feito.
Efectivamente, o não aparecimento de qualquer cabeção e a quase ausência de vegetação rasteira, tornou o percurso deveras acessível, de fácil navegação, com grande percentagem de pontos colocados em reentrâncias e excepcionalmente visíveis para os atletas. Por acaso, este facto foi uma surpresa, que me beneficiou imenso e poupou-me às aborrecidas pastorícias. Apesar de as indicações técnicas da modalidade, irem no sentido de não se ocultarem demasiado as balizas, em Portugal cultiva-se o vício de “quanto mais escondido” melhor. Quero acreditar que possa ser uma medida didáctica – dificultar agora para melhorar mais tarde (não vislumbro bem o quê, mas enfim).
Não pretendo entrar em polémicas desnecessárias, porque nem estou habilitado para o fazer e francamente, até gosto de jogar às “escondidas”, mas neste percurso os prismas encontravam-se todos “à mão de semear”. O importante é que a prova me correu lindamente, não tendo atascado em nenhum ponto e o único tempo que perdi, resumiu-se a uma “traçadela” traiçoeira duns galhos secos, que me obrigaram a um pesado trambolhão (uff…o que me custou levantar).
Nesta etapa de aquecimento, os concorrentes do meu escalão oriundos de outras latitudes, não deram qualquer chance em termos classificativos. Dominam uma apurada técnica de base (em bebés brincam com bússolas em vez de guizos), que lhes confere uma superioridade difícil de atingir, não obstante o esforço desenvolvido pelo Albano (e por mim, hehe) para contrariar essa realidade. O nosso craque empenhou-se a fundo para entrar no top-ten, tendo-o conseguido in-extremis; o “espécie” batalhou arduamente para fugir à última dezena, ultrapassando esse humilde objectivo por larga margem (saiu-me do corpinho, mas valeu a pena).
Perante este quadro, não tenho direito a regozijar-me? Passe a imodéstia e baixa ambição, eu acho que sim, que devo desfrutar de momento tão raro. Mas por pouco tempo, pois veio logo alguém segredar-me – “Baixa a crista! Arrefece o teu ânimo! Lembra-te que o primeiro milho é dos pardais.” Sábias e proféticas palavras.