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Renascer das cinzas em Lamas de Olo

Sob um nevoeiro intenso, que mal permitia descortinar o início da subida final, alguns elementos da organização e uns poucos de concorrentes resistentes, aguardavam junto às chegadas, com nítida ansiedade, que o último participante desse sinal de vida. A esperança era diminuta, já que passavam largas horas desde que ele partira.

De repente, alguém exclamou – “Estou a ver um vulto! É ele…o nosso homem!”. E do meio daquela neblina, eis que surge, tal qual um D. Sebastião, o espécie de orientista, que toda a gente já dava como perdido. -“Que traz ele ao ombro?”, -“Parece ser uma baliza…e é mesmo…o ponto 77!!!”. Todos queriam abraçar o “herói de Muas”, que aflito gritava –“Deixem-me respirar…deixem-me respirar!”.

E se eu não acordasse naquele instante, não sei o que teria acontecido. Completamente alagado em suor e com as pulsações mais que aceleradas, dei por fim a mais um pesadelo, dos muitos que não me deixaram descansar, na noite após a célebre aventura na bruma. A situação descambava perigosamente para o foro da psicanálise.

Depois da “borrasca” da véspera, não tinha qualquer vontade em fazer a segunda etapa. Sentia-me desmotivado, doía-me o pé, mas sobretudo o que me causava maior sofrimento, era o ego todo “esfarrapado”. Disse para a minha mulher – “Se hoje estiver o nevoeiro de ontem, nem me equipo”. Ela limitou-se a comentar em tom jocoso –“Só se fores mariquinhas é que não partes”. Mau!...mau…mau…provocações logo ao alvorecer não vinham nada a calhar, mas registei para memória futura.

À medida que íamos subindo para o local da competição em Lamas de Olo, que se situa a pouco mais de mil metros da arena do dia anterior, o meu ânimo quase ia batendo no fundo, ao constatar que o nevoeiro se apresentava muito mais denso. Mas qual milagre, numa curva da estrada, sou encandeado por uns raios solares, que sorrateiramente iam afastando a névoa incomodativa. Junto às partidas, estava um sol radioso, mas mais abaixo pairava um manto de nuvens, como de algodão se tratasse (que proporcionaram umas fotos magníficas), prontinhas para atacar a rapaziada, que ousasse pôr o pé nos seus domínios.

Fui comentando com alguns companheiros, em jeito de desabafo, as minhas desventuras da etapa anterior, colocando a hipótese de não partir para esta prova, de tal maneira fraquinho estava o meu espírito (ai ai que me dói o pé). Como resposta, logo obtive um curioso incentivo –“Tens de ultrapassar essa tua fobia das pedrolas. Vai-te a elas como um “tarzan””.

A neblina mantinha-se num sobe e desce constante. Tanto estávamos perante um sol aberto, como de seguida, baixava uma escuridão que tornava tudo meio fantasmagórico. Perante aquela incerteza, a minha vontade andava também um pouco à deriva. Num momento dava-me uma febre de competir, para logo de seguida, ao olhar para o nevoeiro desanimava e lá voltavam os medos –“Vou-me atascar novamente”.

Enquanto aguardava a partida da minha mulher, ia ouvindo de minuto a minuto, aquele “piar” constante do relógio, que me martelava o subconsciente, como que um chamamento, -“Que `tás a fazer aí especado, seu medricas? Salta cá para dentro do mapa e mostra o que vales!”. Se ainda tinha alguns resquícios de coragem, só havia uma atitude a tomar. Então eu, que já tinha competido lesionado ou doente, porque carga de água me recusava a partir, apenas porque não me entendo com o cinzento? Deu-me um ataque de nervoso miudinho e num ápice estava prontinho para partir. Ou renascia das cinzas, ou era o fim do “espécie”, em terrenos de “pedrolas”.

O constante vaivém do nevoeiro, prejudicou-me logo na saída. Fui envolvido por uma nuvem repentina e... perdi o triângulo? Rebate falso. Um grupo de Opt`s tinha “acampado” mesmo em cima do prisma!!! Uff…levei cá um susto.

Mais uma vez, não tinha qualquer visibilidade, mas nem me passou pela cabeça voltar atrás. O primeiro ponto (dos 17) localizava-se num fosso que depressa apareceu, a baliza é que nem por isso, pois tentou “fugir-me”, a marota. De seguida tinha de me deslocar para a falésia em frente às partidas, mas nesta altura nem sombra dela. Fui progredindo com ajuda da bússola (não me traiu desta vez) e o dito monte rochoso emerge do nevoeiro. E agora, em que zona da falésia me encontrava? Como o ponto se situava mesmo no início da subida, dei uma corridinha junto ao sopé e o segundo foi controlado.

A partir daqui, foi necessário praticar um pouco de alpinismo, para apanhar o ponto 3, mas a minha veia radical prevaleceu. Com uma motivação extra, dado que o sol espreitava novamente, percorri vários pontos sem problemas, o que me ia levantando o moral. Nem as dificuldades encontradas no ponto 55 (7), bem “camuflado” no meio do mato e do 47 (10), completamente “colado” à escarpa, me fizeram baixar os braços (foi sempre a abrir!). Este mapa tinha numerosos pormenores e o cinzento, para meu contentamento, ia sendo substituído por zonas verdes e brancas, o que atenuava, na minha óptica, as dificuldades.

Um pouco mais de uma hora e tinha concluído os 3.400 metros. Consegui, apesar do susto inicial, terminar a prova e com um tempo bastante razoável em relação aos primeiros. Não sei se afastei de vez os fantasmas das “pedrolas”. Sinto que o “espécie”, ao dar um ar da sua graça, nasceu novamente (qual Fénix) e ultrapassou um potencial trauma (o do pé ainda não). Nem quero imaginar a minha “telha”, caso não tivesse partido. Teria mesmo que consultar um “espreme miolos” do tipo “Dr. Kabongo Ialá – ao seu dispor”.

Não posso, nem devo, deixar de felicitar o decano dos orientistas nacionais, o grande Joaquim Costa, que neste dia completava a bonita idade de setenta primaveras. Foi pena, que uns míseros três minutos o impedissem de subir ao pódio, pois seria a cereja no topo do bolo. No entanto, a organização do Orimarão, demonstrando a sua eficiência, presenteou-o com um prémio especial. Num momento de emoção, Joaquim agradece, -“Vocês são a minha segunda família”. Mais palavras para quê?

Desta espécie de folhetim transmontano, há que retirar as devidas ilações, que possam no futuro ser uma mais-valia, no desenvolvimento da bela “istória”.

 

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terça-feira, 29 de abril de 2025 – 22:14:14

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