Se a memória não me atraiçoa, tenho uma vaga ideia de alguns dias nacionais surrealistas, em que se comemora de tudo um pouco. Ele é o dia do “churro queimado”, a festança em defesa das “pulgas da areia”, a evocação anual dos “fósforos de cabeça azul” ou a mediática jornada de solidariedade para com os “sofredores de calos”.
Bom, já era tempo de alguém sonhar com um dia nacional a preceito (felicitações ao dinâmico Orientovar), elegendo uma actividade que abordasse algo com seriedade e simultaneamente chamasse a atenção para a prática do exercício físico em família, de um ponto de vista diferente, onde se privilegia um ambiente de verdadeira festa de interacção com a natureza – o “Dia Nacional da Orientação” comemorado a 14 de Março – que vai perdurar como um marco histórico no desenvolvimento da modalidade. Um dia em que cerca de duas mil pessoas se envolveram na mesma actividade, sintonizadas com o mesmo espírito orientista, em dezenas de localidades por esse país fora. Um capítulo, que se espera venha a ser o primeiro de muitos.
Mas para o vosso amigo não ter falta de comparência neste dia memorável, não imaginam pelo que tive de passar. Os últimos quinze dias foram de uma aflição sem limites. O sacrifício que fui obrigado a fazer para me poder apresentar a um nível aceitável, dever-me-ia proporcionar um prémio de abnegação e teimosia.
Após a prova de Pataias, fui acometido por uma daquelas gripes perseverantes, que me impediram de treinar um segundo, um centímetro que fosse. Febre, tosse, congestão nasal e dores corporais (vá lá que não perdi o apetite, hehe), declararam-se sintomas demasiado complicados, para quem pretendia a toda a força estar presente no Parque de S. Roque, para participar no V Troféu de Orientação do Porto, prova englobada no dia especial da Orientação.
Se não podia treinar, ia tentando remendar o físico o mais eficientemente possível. Então, emborquei umas doses maciças de antibióticos, xaropes, “paracetamois”, rebuçadinhos de S. Brás e afins, de modo a não faltar a evento tão significativo. Podem crer que levei uns treinos medicamentosos de respeito, mas a Nª Srª das Espécies também ajudou.
Precisava apenas de uma opinião avalizada que me permitisse dizer “presente”. O inquestionável e definitivo veredicto médico. “Eh pá, tu não estás em condições de correr. Vais abafar.” – “Deixa lá, também corro pouco. Só quero mesmo é estar lá.” – “Ok, se te der a “faniqueira” não me venhas chatear. Boa prova.”
Com mais ou menos falta de ar, com muita ou pouca expectoração, o certo é que não ia faltar, nem que fosse a passo, pois nesta altura dos acontecimentos o resultado da prova era questão de menor importância. Acresce ainda o facto, de que os médicos sempre me transmitiram a ideia, que qualquer exercício físico só tem alguma validade se demorar pelo menos meia hora e eu nem estava com essa disposição.
Os meus 2.300 metros e vinte e seis controlos, em condições normais seriam para gastar bem menos, mas conselho médico é para ser respeitado e estando eu em convalescença, o melhor seria demorar mais um pouco. E por escassos três minutos não o ia conseguindo (hehe), sou um moço bem mandado. Mentira! Durante a prova nem me lembrei de qualquer indicação médica, o problema foi de outro calibre.
Decididamente, não me sentia muito bem, a tosse não me largava e a “gapeira” dos brônquios quase me abafava, mas parti como se estivesse são como um pêro. Sendo um percurso de parque, a escala do mapa foi aumentada para 2.000 e mal dou a primeira corrida (a descer), fiquei de imediato com a sensação de que tinha “deslizado” em excesso. Até encontrei um patamar, mas de certeza não era o que pretendia. Esse situava-se mais acima, o que desde logo me obrigou a despender um esforço extra, para subir o que não devia ter descido.
Mal tinha começado e por força daquela subida desnecessária, a tosse atacou em força e passei um mau bocado entre o primeiro e segundo ponto, a tentar expelir as excrescências que me entupiam. Cof…cof…cof…Meninos…foi cá uma limpeza! (hehe).
O percurso composto por dois loops nos primeiros dez controlos, com dezassete pontos no parque e os restantes nove no complexo desportivo Monte Aventino, teve uma fase inicial em constante sobe e desce, demasiado exigente para a minha confrangedora condição física, que me deixou completamente nas lonas. E as “ouras” a que fui sujeito em pleno jardim labiríntico? Ai que fraqueza a minha!
Não foi só a tosse e as vertigens que me incomodaram, a falta de genica nas pernas é que me fez lembrar a minha real debilidade. Os pontos ali tão perto e eu incapaz de lhes chegar como desejaria. Frustrante não lhes parece? No entanto, arrastei-me o melhor que pude, fazendo alguns intervalos para umas inalações de ar puro e outros para o cof…cof…arreliador. Ainda não tinha passado por uma situação semelhante, mas o importante é que eu estava lá! (a recompensa pela teimosia estava ganha)
A passagem do mapa de S. Roque para o do Monte Aventino proporcionava a pernada mais longa, que todos os concorrentes tinham de efectuar durante 150 metros, transpondo um trecho de uma estrada secundária, que finalmente permitia pôr os motores a carburar a todo o vapor. Mau grado a minha força de vontade, limitei-me a deslocar com todo o cuidado, para ver se conseguia terminar sem nenhum dissabor. Se eu apanho quem andou a colocar “cola” na estrada, nem sei o que lhe faço! (hehe)
Alguns instantes depois concluía uma prova, que dois dias antes eu julgaria não ser possível participar. Consegui tornar-me num protagonista, das largas centenas que estiveram presentes neste belo momento de Orientação. O tal dia, que uns “senhores” criativos da imagem e propaganda basearam no lema – “ o país vai andar em sintonia!” – Enganadores! Os publicitários são sempre uns exagerados. Sintonia? Mas que sintonia é esta que o Mário Santos me deixou “dessintonizado” em mais de oito minutos? Está certo que ele não se encontrava doente e eu não possuo o seu “comprimento de onda”, mas caramba, isto não era para brincar? Hoje em dia já não se pode acreditar em tudo o que se lê.
Os ares de S. Roque surtiram efeito terapêutico. Purificaram-me de tal modo, que no dia seguinte estava rejuvenescido para mais uma sessão de tratamento orientista, no maravilhoso Parque de Serralves, onde iria decorrer o Justlog Park Race, evento que dava continuidade à dupla jornada do GD4C.
A “tossiqueira” continuou a consumir-me, mas no meio do paraíso quem se preocupa com minudências terrenas? Ia ter o privilégio de desfrutar dum soberbo passeio turístico “guiado”, de 2.800 metros e 24 paragens obrigatórias, pelo interior do mais emblemático parque da cidade, que de certeza não seria um reles catarro que me inibiria.
Sendo a segunda vez que percorro este mapa, não me surgiu qualquer problema técnico de difícil resolução, alcançando um crono na casa dos 27 minutos, bem mais perto dos melhores que na etapa anterior, mas as diferenças continuam a ser substanciais. No entanto, considerem a atenuante de que o “espécie” estava doentinho. Cof…cof…cof…