Desde sempre afirmei, que nutria uma certa admiração, por quem se disponibilizava e conseguia, com muita carolice e sacrifício, colocar de pé os eventos de Orientação, independentemente do resultado final poder ser considerado de maior ou menor qualidade (a tal avaliação baseada em parâmetros insensíveis).
Imaginava eu, que o trabalho necessário para atingir os objectivos delineados seria árduo e extremamente complicado, pois os obstáculos que porventura iriam surgindo ao longo de todo o processo organizativo, a que eu apelidei de “trabalhos de Hércules”, não seriam de fácil transposição.
Fiquem cientes duma coisa – a imaginação é fertil mas peca por defeito – o sentir na pele as dificuldades inerentes à realização duma prova, isso sim, é a mais pura e dura das realidades. Participar como atleta é apenas uma das facetas da Orientação e pelos vistos a mais cómoda – situarmo-nos no outro lado da barricada é uma conversa completamente diferente.
Para subir mais um degrau na evolução do “berdadeiro” orientista, apareceu a oportunidade única de poder envolver-me numa organização de monta, como é o caso do Norte Alentejano O` Meeting 2010, evento já na sua quarta edição e que por capricho do destino, é da responsabilidade do clube a que eu recentemente aderi, o Grupo Desportivo dos Quatro Caminhos.
Após as bens sucedidas passagens por Nisa, Castelo de Vide e Alter do Chão, a próxima prova volta a ser realizada na região, mais concretamente no concelho do Crato. E aqui começam os meus trabalhos – resido a mais de trezentos quilómetros!
Já que tinha mostrado vontade em colaborar, nada mais apropriado, do que acompanhar o grande timoneiro desta empreitada, Fernando Costa, numa deslocação ainda em Dezembro, a fim de procedermos a alguns contactos imprescindíveis à efectivação do evento. Simultaneamente havia a necessidade de realizarmos trabalho de campo, na modificação, confirmação e marcação de pontos, bem como uma ou outra correcção ao mapa, fruto de ligeiras alterações na vegetação (mato desbastado, raízes levantadas, árvores abatidas ou silvados surpresa…só as “pedrolas” não mexem).
Sei o que devem estar a pensar, mas podem dormir sossegados, não tive qualquer responsabilidade nessa tarefa técnica, apenas participei como “amarrador de fitas” – onde já se viu um “berdadeiro” orientista a escolher o local dos pontos? O resultado seria caótico e um total descrédito para o NAOM, logo num ano que pontua para o WRE, hehe, haja bom senso meus senhores.
Eu nem devia contar isto, que até me fica mal, mas a minha real função foi a de guarda-costas do Fernando, de modo a defendê-lo dos ataques de javalis mal dispostos, do assédio das vacas loucas, da impetuosidade das cabras ou do instinto maternal de alguma porca preta. No fundo, limitei-me a cumprir o clausulado do meu contrato com o clube, na parte das letras pequenas que me passou despercebida (julgo que fui enganado).
Mas também é verdade que estive lá, como se participasse numa acção de formação, no sentido de aprender mais qualquer coisa que me pudesse ser útil em futuras competições e nessa área não falhei, assimilei um autêntico manancial de informação, agora só falta processá-la convenientemente (de preferência sem “bugs”).
Foram cinco dias intensos, numa corrida contra o tempo, de forma a podermos levar a cabo tudo aquilo a que nos tínhamos proposto. Conciliar reuniões com autarcas, auscultar os proprietários de terrenos, contactos com diversos organismos, prospecção de novas áreas para futuras provas (Marvão revelou-se surpreendente) e dar continuidade à elaboração dos percursos, resultou numa actividade variada, cansativa, stressante mas altamente proveitosa e enriquecedora.
O “berdadeiro” viu-se envolvido numa teia de problemas com que não estava familiarizado, mas francamente não foi nada que não estivesse à espera, pois só veio confirmar as minhas suspeições quanto à pesada carga logística destas iniciativas. Qualquer prova com esta dimensão deve ser esboçada com dois anos de antecedência, se realmente pretendermos apresentá-la com o mínimo de requisitos.
Não desgostei do aspecto burocrático, diplomático e promocional da viagem, mas foi a vertente técnica que me encheu as medidas. Confirmar cerca de duas centenas de pontos distribuídos pelos três mapas da competição, deixou-me literalmente em êxtase e funcionou como compensação do desgosto que me assolava, por não me ser permitido participar nas provas.
Para quem nunca passou pela experiência, jamais se poderá considerar um verdadeiro orientista. Calcorrear os mapas a perseguir curvas de nível, contar pedrolas e reentrâncias, descortinar correctamente os verdes, brancos e amarelos, é uma tarefa exigente, mas gratificante, e sobretudo uma mais-valia para aqueles que ainda pretendem adquirir novos conhecimentos sobre a modalidade.
Acrescem ainda situações peculiares, que espelham bem as vicissitudes destas tarefas, como a fuga precipitada ao boi “Charneco” (600 quilos bem abonados), em plena Herdade de Entre Ribeiras (potencial cenário da prova de 2011), que depois de vacinado ficou irascível, marrando a torto e a direito, ou as fintas que fomos obrigados a fazer a caçadores incautos que disparavam sobre tudo o que se mexia (“por acaso tenho cara de tordo, seu ceguinho”?).
Acreditem no que vos digo, sem uma sessão alargada de bastidores, numa prova com esta envergadura, nenhum atleta será mais que um “espécie” ou quando muito um “berdadeiro”.