O poder do POM - (III) O dia normal

Ao terceiro dia, o POM teve o condão de animar o “berdadeiro” e motivá-lo para um resto de competição mais equilibrada e menos aselha. E para que isso acontecesse, bastou o simples facto de me terem atribuído um tempo de partida normal. Surja uma qualquer insignificância de aspecto mais agradável, que é suficiente para me levantar o moral. Contento-me com tão pouco…

A área a percorrer para mais uma distância longa, o mapa de Quiaios, confinava com a da jornada anterior, apresentando as mesmas características de floresta, com um terreno propício a rápidas progressões, desnível insignificante, bastantes pormenores de vegetação, inúmeras clareiras, uma óptima rede de caminhos perpendiculares e até uma chegada no mesmo local. Enfim, detalhes suficientes para ninguém se atascar, mas na prática não foi bem assim (só no meu escalão contabilizei oito mp`s).

Os 8.100 metros que me calharam em sorte, apesar de prognosticarem dureza, confirmada por uma manhã gélida e chuvosa, ao disporem de 23 pontos para picar, atenuavam algumas das minhas fobias. Conferiam um cariz mais técnico aos percursos, o que pessoalmente me deixa mais tranquilo, pois detesto as super-pernadas (faz-me lembrar o corta-mato) e para encher quilómetros bastavam os que me forçaram a gramar do estacionamento à Arena (três mil metros de borla).

Claro que as “pancadas” que tinha sofrido nas duas primeiras rondas, já me estavam a atormentar o físico (tinha as unhas dos pés pintadas de negro sangue). E se sentia os pés massacrados, a parte muscular encontrava-se num frangalho – doía-me tudo. Mas todas estas mazelas não eram factor determinante, porque eu sei com quem lido e mal soe o meu bip de arranque, tudo é atirado para trás das costas. A tal história de se fazer das fraquezas, forças.

Para ser sincero, a etapa só não correu um pouco melhor, porque me faltou energia nas pernadas mais longas. Um sentimento de raiva por se querer e não poder, de fazer quebrar o esmalte da dentadura. Creio que este terá sido um mal que atacou muita e boa gente, por isso estávamos nesse aspecto, quase todos em pé de igualdade. “Igualdade” é uma força de expressão, senão eu não teria realizado o dobro do tempo do primeiro classificado, hehe!

Para além do cansaço, que me foi transformando paulatinamente o ritmo de progressão numa penosa marcha florestal, tive alguma dificuldade em manusear os mil cento e dez centímetros quadrados de mapa. Confusos? Eu passo a explicar. Uma zona de competição bastante extensa, numa escala de 10.000, obrigou a que o mapa se apresentasse tal qual uma folha de jornal, um autêntico tamanho XXL, ou como o apelidou um parceiro – um mapão! Passei o tempo a dobrá-lo e desdobrá-lo, apanhá-lo do chão ou a desprendê-lo de arbustos. Uma consumição acrescida perfeitamente dispensável. Mas o que querem que faça? Sou um “mãos de aranha”.

Efectivamente a fadiga não me concedeu tréguas. Cada pernada com mais de 500 metros (e foram meia dúzia), deixavam-me com a língua nas botas e toldavam-me o raciocínio. O ataque ao ponto 17, um dos percursos mais longos (750 metros), contribuiu para o avolumar do desgaste, pois naveguei em azimute puro, duro e inclinado (quero lá saber do relevo), transpondo o último aceiro de referência, desviado mais de trezentos metros da “red-line”, que me obrigou a esforço suplementar para corrigir a rota, num piso demasiado instável (areia até aos artelhos) – o “berdadeiro” esteve na iminência de sufocar.

Contudo, como não caí em nenhum atascanço de bloquear neurónios (o estatelamento do cabedal num fosso não conta), fui progredindo naquela “berdadeira” velocidade de arrastador de galhos, conseguindo entregar a “carta a Garcia” ao fim de quase duas horas (precisamente 1.51.00).

-“Mas que falta de respeito vem a ser esta?” - Pareceu-me ouvir umas risadas de escárnio. Pois fiquem sabendo, que cerca de duas dezenas de companheiros se mostraram ainda mais estafados do que eu. Por esta não esperavam vocês, seus convencidos, que pensam que estas “istórias” só acontecem aos outros. “Olhem que não!”.

E se acham que a justificação do cansaço é desculpa de mau pagador, o que me dizem a um tipo de meia-idade e avantajado (ligeiramente!), ter de carregar com mapa gigante, chip, bússola, relógio, porta-sinalética, óculos, peitoral (com quatro alfinetes!), meias até ao joelho, caneleiras, pés elásticos, barra energética e boné-amuleto? Um kit-ori de respeito, hem? (e dispensei o impermeável e o camelback) Uff! Fiquei esgotado só de os mencionar.

Uma particularidade que sobressai nos eventos com vários dias, é a possibilidade de qualquer concorrente poder corrigir erros cometidos nas etapas anteriores. Se hoje correr mal, amanhã teremos nova hipótese. Mantém-nos sempre a chama da esperança acesa, ainda que por vezes ela se extinga sem darmos por isso.

Após duas prestações medíocres, que já não se coadunam com o actual potencial do “berdadeiro” (desconheço qual seja, mas é um termo que fica bem), aproveitei a chance e tive o comportamento de um dia perfeitamente normal. 

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