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Escrita em 1961 pelo aclamado autor espanhol Fernando Arrabal (1932), Guernica é uma obra com duas relações directas evidentes, primeiro com o célebre quadro de Pablo Picasso, segundo com os bombardeamentos de 1937 de que o município basco foi alvo. No entanto, o texto de Arrabal não se esgosta nesse momento, sendo mais um manifesto universal anti-guerra do que uma análise de um determinado acontecimento da Guerra Civil Espanhola.
Não se contando entre os mais conhecidos textos de Arrabal (Piquenique no Campo de Batalha, Oração, Os Dois Verdugos, Fando e Lis, Cemitério de Automóveis), é possível encontrar em Guernica grande parte das ideias e dispositivos recorrentes no teatro que o autor espanhol desenvolveu, sobretudo nos anos 50/60, e que constituíram a base para aquilo a que ele mais tarde designou de Teatro Panico (uma mistura da palavra “pânico” – ou seja, medo, ansiedade – com “relativo ao deus Pan”, e que era em termos práticos a aceitação do horror e da glória da vida). Como posto pelo próprio Arrabal: “sonho com um teatro em que o humor e a poesia, pânico e amor, sejam um só. O ritual do teatro deve transformar-se numa opera mundi como as fantasias de Dom Quixote, os pesadelos de Alice e os delírios de K., na verdade, deve transformar-se nos sonhos humanos que atormentariam à noite um computador da IBM”.
A lógica é, em primeiro lugar, uma lógica do Absurdo pela desconstrução – próximo de Ionesco – e pelo absurdo filosófico da existência – próximo de Beckett. Nesse sentido, o dispositivo base de Arrabal é o de colocar as suas personagens com mentalidade e discurso de criança, aliás, elas não compreeendem o mundo porque o vêem através desse olhar monocromático e infantil, o que faz com muitas vezes tenham atitudes cruéis para com o Outro, não obrigatoriamente por maldade, mas apenas porque, tal como as crianças, não têm a compreensão suficiente para distinguir o Bem do Mal, o que as coloca num estranho jogo de amoralidade; se o que elas fazem para nós é cruel, para elas é apenas uma acção, umas vezes egoísta e narcísica (pela indiferença em relação ao Outro), e outras (principalmente quando rodeadas de solidão) cheias de altruísmo e auto-sacrifício, numa tentativa de recuperar a dimensão humana que lhes escapa.
Numa altura em que nos deparamos com terríveis imagens de crueldade vindas um pouco de todo o mundo, mas em particular da Síria, que trouxe até às portas da Europa a crise dos refugiados, é urgente revisitar textos como Guernica para nos recordarmos que a dimensão do Mal não é algo que faz parte do passado da humanidade, mas que se mantém tão presente agora como antes.
Miguel Graça
cenografia | figurinos Fernando Alvarez
dramaturgia Miguel Graça
coreografia e movimento Margarida Gonçalves
direcção de montagem Manuel Amorim
desenho e operação de som Hugo Neves Reis
assistência de ensaios | operação de luz Jorge Saraiva
contra-regra | montagem Rui Casares
desenho de comunicação Anabela Gonçalves
fotografia | desenho gráfico Ricardo Rodrigues
secretariado Inácia Marques
interpretação António Marques | Luiz Rizo | Madalena Almeida | Renato Pino | Rita Calçada Bastos | Sérgio Silva | Teresa Côrte-Real
M/ 12
quarta a sábado 21h30 | domingo 16h
De 20 ABRIL a 22 DE MAIO