Julgava eu, que havia chegado a hora de me vingar, duma péssima prestação que realizei por estas bandas, quando do POM`10, onde fui assombrado por uma “espécie” de alma penada. Esse doce sabor não o iria desfrutar, já que o mapa da Praia da Leirosa que o Ginásio nos colocou à disposição para os Campeonatos Nacionais de Distância Longa e Estafetas, foi o da zona sul, precisamente do lado contrário ao cenário anterior.
“Ainda bem que não é o mesmo terreno, aquilo era areia até à canela” – um desabafo pessoal, que não poderia estar mais errado. Porque se a areia tinha sido o factor decisivo, então nada se iria alterar. Na realidade, a areia ditou leis no nacional da longa.
Sob um céu de trovão, ar quente e seco, com as partidas a serem efectuadas em pleno areal da praia, o ambiente apresentava-se ideal, para o “berdadeiro” se atascar completamente naqueles 8.900 metros que tinha pela frente.
Logo para o primeiro ponto, talvez influenciada pela carga eléctrica que pairava, a bússola flipou e “atirou-me” para uma duna, 150 metros mais à frente do que seria necessário. O “berdadeiro” azimute marado. Uma burrice de todo o tamanho, pois se eu até tinha sido espectador atento da progressão dos companheiros que partiram antes, porque carga de água fui inventar? Porque não acatei os sábios conselhos da minha mãezinha, que sempre me dizia – “Com tempo de trovoada, recolhe a casa e não faças nada”.
Quis o destino que fosse esbarrar numa baliza, que pertencia ao meu percurso mais adiante (o 16). Dentro da aselhice, acabei por ser bafejado com uma sorte dos diabos. Só que comecei a abalar o físico com umas centenas de metros de borla…com areia pelos artelhos. E o bafo? Uff, que sufoco.
Para aliviar a pressão (sobretudo a atmosférica), o traçado rumou para a floresta, onde o arvoredo proporcionava uma respiração mais leve, para durante três pernadas não acontecer nada de relevante, para além da areia e da vegetação caída, que me iam desgastando e atrofiando o ritmo.
Apesar da ausência de desnível, as inúmeras moitas que iam surgindo, obrigavam a constantes desvios de rota, que resultavam em perdas de tempo pontuais. Numa dessas pernadas, por sinal bem curta (200 mts), na progressão para o quinto controlo, num emaranhado de verdes pretensamente transponíveis, atasquei forte e feio para cima de cinco minutos. O curioso, é que nessa altura apanhei alguns parceiros que tinham partido à minha frente, mas levei também com uma mão cheia dos que haviam saído depois. Um belo comboio dos gloriosos “50`s”, hehe.
Uma confusão de palpites, correrias à toa, perseguições inconsequentes, asneiras em barda e um aceiro mesmo ali ao lado, a “suplicar” que fossemos lá para nos relocalizar. Afinal, em stress todos temos atitudes de “berdadeiros” orientistas. A questão, é que depois de picarem o “114”, desapareceram num ápice, em fila indiana, ficando eu entregue à minha solidão, snif…snif…Mais tarde, haveria de voltar a encontrar alguns desses “corredores”. Ai se eu dispusesse de carburante adequado…
No que me diz respeito, em termos técnicos, os problemas morreram aqui, dado que a dificuldade assentou essencialmente na progressão. Areia e galhos é uma mistura agressiva, que invariavelmente me deixa nas lonas. Se ao fim de oito pontos, já me sentia algo combalido, quando me confronto com uma super-pernada de 1.500 metros (em linha recta!), quase me dava uma aflição.
Claro que existiam várias opções, mas em todas elas era necessário dar “corda aos bitorinos”, tarefa hercúlea e penosa para o “berdadeiro”, mas que se transformou para a concorrência, num alegre e confortável “sprint” de 2.200 metros. Segundo os “splits”, fiz uma bela opção e uma péssima corrida. Calcorrear um estradão ondulado que nem bossa de camelo, durante mais de um quilómetro, convenhamos que só com comprimidos para o enjoo.
Sensivelmente com metade da prova efectuada e apenas com a contabilização de um atascanço digno desse epíteto, tinha a percepção que a rapaziada me estava a dar uma forte tareia, pois não conseguia alento que me desatolasse as botas da areia. Vontade não me faltava, o que estava esgotado era o físico. E eu a vê-los passar!
Depois de mais duas pernadas de 500 metros, a tropeçar em tudo o que era ramos, o traçador volta a impôr o seu espírito sádico e aplica-nos mais uma extensa viagem para o décimo segundo ponto (1.250 mts), num regresso à zona das suaves dunas, onde teríamos de nos desenvencilhar de mais sete balizas.
Ora está bom de ver, que isto vinha mesmo a calhar. Correr atafulhado em areia, debaixo de temperaturas elevadas, sem uma ponta de sombra e a cair de cansaço, era mesmo o meu sonho. Assim, iria ultrapassar as duas horas de prova sem dificuldade, hehe.
Contudo, em alturas de sacrifício, arranja-se sempre qualquer coisa de positivo. Como já não tinha cabedal para correrias, limitei-me a progredir nas calmas, facto que me permitiu picar os pontos em falta sem qualquer hesitação. Tecnicamente impecável, mas a realizar tempos confrangedores. Que se há-de fazer? É a sina do “berdadeiro”.
Para o meu estado de espírito ficar absolutamente ko, só faltava um susto final. Ainda me encontrava em momento de relax e reflexão, a carpir as minhas mágoas, recuperando do derreamento natural de uma longa jornada arenosa (contando as bolhas dos pés), quando me aparece a minha mulher com um sorriso enigmático, de difícil interpretação.
- “Mau…isto trás água no bico. Cá p`ra mim fez mp” – pensei eu, pois é frase que não se pode pronunciar, sem esperar por duras consequências. Então comenta ela, irradiando felicidade – “Realizei a minha melhor prova de sempre”. Glup…engoli em seco e a medo indaguei – “E…?” – “`Tás a olhar para a vice-campeã nacional do escalão”. Meus caros amigos, só não tombei porque já estava deitado na erva.
E as fotografias que tive de lhe tirar? De frente, de perfil, de grupo, de medalha ao peito, as felicitações do Presidente…rezem por mim, que a vida agora não vai ser fácil (pelo menos até Peniche).