Não me recordo quem foi o amigo da onça responsável pela seguinte tirada: - “Quanto pior correr a prova ao berdadeiro, melhor inspiração ele tem para a escrita”. Nunca imaginei, que um dia iria dar razão a tão funesta constatação.
Já lá vão uns dias sobre o Campeonato Nacional Absoluto, que decorreu entre S. Pedro do Sul e Vouzela e continuo sem sentir o toque essencial da minha musa. Na verdade, quando as coisas não descambam para o torto, as dificuldades para transmitir as “istórias” revelam-se quase intransponíveis, tal qual uma rampa com dez curvas de nível.
Se eu tivesse realizado a minha prova de apuramento em menos 24`40``, provavelmente estaríamos perante o texto mais elaborado de toda a história da Orientação nacional, com direito a grandes parangonas e néons – “O Berdadeiro esmaga a concorrência e junta-se a Zé Fernandes e Albano João na disputa da Grande Final”. Mas como os milagres actualmente são fenómeno raro, nesse capítulo não aconteceu qualquer surpresa. E como também não cometi asneiras de bradar aos céus, tudo não passou de um monótono trivial. Bom, não diria tudo, mas quase.
Como poderia eu destacar-me, perante um mapa duro e técnico quanto baste? As características dos terrenos de Pinho-S. Pedro do Sul não deixaram margem para dúvidas. Se a intenção era apurar os melhores, nada mais apropriado que um desnível de 265 para 4.200 metros de percurso, bem forrados de vegetação endiabrada e…para mal dos meus pecados…”pedrolas”…chusma delas, para todos os gostos e feitios.
No entanto, devo reconhecer a gentileza do traçador em não me prejudicar em demasia (após me oferecer um percurso igual à elite), dado que dos dezassete pontos do trajecto, apenas nove se encontravam associados a detalhes rochosos. Facto despiciendo, se tivermos em conta, que para controlar uma simples reentrância seria necessário ultrapassar miríades de pedras. O cenário ideal para colocar o “berdadeiro” com os cabelos em pé e a bússola em transe.
A fase inicial, até ao terceiro ponto, foi terrivelmente trabalhosa. Terreno pedregoso, uma profusão de verdes bem densos, declive acentuado e muita gente deslocando-se em “comboios” sobrelotados, que só funcionavam como factor de desorientação. Era de todo importante não esquecer, que na etapa de apuramento todos os escalões têm percursos semelhantes, o que leva a frustrantes equívocos, porquanto nem todos os prismas que se avistam nos pertencem, gerando enormes confusões e pastorícias.
Nas zonas de progressão mais complicada, limitei-me a seguir os trilhos dos meus antecessores, farejando as pegadas como um cão pisteiro, mas sem tirar o olho do mapa, para evitar algum dissabor. O ter sido dos últimos do escalão a partir, por vezes tem os seus benefícios.
Com melhor ou pior navegação, escolhendo opções mais técnicas ou outras menos ortodoxas (na pernada mais longa (4/5) optei pelo odioso alcatrão, mas os splits deram-me razão), fui controlando o que me apareceu pela frente (só os meus prismas, ok?), sem registar nenhum atascanço, apenas sendo penalizado pelo ritmo lento que fui obrigado a imprimir, tanto pela exigência do terreno como pela falta de “ar” (por diversos motivos e mais um, estou prestes a chumbar por faltas aos treinos).
Não é segredo para ninguém, que este género de prova provoca a existência do maior tráfego de “comboios” por metro quadrado. Contudo, se alguns são bem-vindos pela sua rápida eficácia, outros são autênticas armadilhas e transportam-nos para destinos desconhecidos, donde por vezes é difícil regressar.
Um…dois…três…quatro…sete…oito e comigo nove. Contei eu, quando piquei o meu décimo terceiro ponto. Pessoal de vários escalões, em disciplinada fila indiana, numa penosa escalada que nos levaria a viajar até aos pontos finais da etapa. Só que havia um ínfimo pormenor a ter em atenção - nem todos os “passageiros” se dirigiam para os mesmos “apeadeiros”.
Andei a fugir deles o mais que pude, mas resolvi ingressar neste “comboio” (da “estação” treze para a catorze), apenas com o objectivo de aproveitar o caminho desbravado, que me facilitasse a progressão (a opção acertada teria sido a estrada, mas enfim, a tolice estava assumida). A certa altura, já a meia encosta, cheguei à conclusão que deveria apanhar um outro “ramal” e desviar-me para a esquerda, quando todo(a)s seguiam o rumo contrário. Logo me chamaram a atenção para o “erro” (seria o revisor?) – “tens a certeza que é por aí?”
Bastou uma simples interrogação para me baralhar os planos, suscitar dúvidas e decidir continuar no “maria vai com as outras”. Estava a efectuar um percurso impecável, porque raio não poderia deitar tudo por terra? (“berdadeiro” masoquismo) Fomos esbarrar num ponto, sim senhor (o “45”), mas que apenas foi aproveitado por um dos utentes e pelas opticas dos “paparazzi”. E agora? Onde pára o meu “65” e a sua reentrância? Terei ficado bem na fotografia?
Dei uma fugaz miradela à sinalética, para confirmar se esta baliza não me viria ainda a pertencer mais adiante, mas infelizmente não era o caso (naquele momento!). Fiquei tão desorientado, que durante cerca de nove minutos não consegui atinar com nada que estivesse no mapa. Muito menos o ter percebido, que o dito “45” era o meu ponto 16 (sou um “cola”, influenciável e para cúmulo, cegueta).
Depois de encontros inconsequentes e desmoralizadores com três prismas alheios, o Santo Padroeiro dos Orientistas fez-me voltar ao “45” e…”grande artolas, afinal este é teu” (e tornei a ouvir um sarcástico clique fotogénico). Num ápice apanhei o fio à meada e oito minutos depois dava por concluído (com muita honra, mas sem glória) mais um apuramento de um campeonato nacional.