Jorge Pereira

 
O impulsionador das Lutas Olímpicas em Braga

 
Mundo da Luta Olímpica – Como e onde iniciou a modalidade? O que o levou a optar pela modalidade?
Jorge Pereira – Iniciei no Clube Atlético de Queluz em 1967 e depois passei para a Associação Académica da Amadora em 1969, o motivo que me levou a optar pela modalidade foi por ter falta de auto-estima e ser um jovem excessivamente tímido.
 
MLO – Descreva um pouco a sua carreira como Wrestler.
JP – Não tive carreira de lutador porque não estava com espírito para a competição, apenas gostava de treinar, era parceiro de treino preferido dos que entravam em competição.
 
MLO – Que títulos obteve como Wrestler?
JP – Não obtive títulos, mas na AA Amadora, exigiram que entra-se em competição, e aí aconteceu-me algo que ainda hoje não esqueço: faltava-me um combate para conseguir um título de Campeão Nacional de Iniciados, só que nesse dia (Sábado), o meu Pai não me deixou estar presente porque precisava de mim para trabalhar, e para ele o trabalho estava primeiro, foi traumatizante para mim, e a partir daí o “Mestre Pestana” (ex-atleta do SL Benfica), deixou-me de lado o que compreendi, mas foi muito frustrante.
 
MLO – Que cargos desempenhou na Luta?
JP – Enquanto praticante, nenhum, mas em Braga, fui Coordenador Distrital, Coordenador de Núcleo e Monitor, nessa altura não havia ninguém que conhece-se a modalidade.
 
MLO – A determinado tempo da sua vida, por motivos de força maior, teve que interromper a sua formação como atleta. Como reagiu?
JP – Com naturalidade, mas enquanto estive nas Tropas Pára-quedistas, treinava na Secção Desportiva com alguns colegas meus que praticavam Judo, misturávamos as modalidades e era engraçado.
 
MLO – Tirou o Curso de Monitor de Lutas em 1976, como usufruiu dele?
JP – Da melhor maneira que consegui, tive a sorte de conhecer o então Delegado da Direcção Geral dos Desportos em Braga, o Prof. Tomé Bahia de Sousa, que me deu todo o apoio e me proporcionou ter conseguido tirado o Curso, já o mesmo não posso dizer do Delegado seguinte, o Prof. Paúl que desprezou o meu trabalho e a modalidade o que se reflectiu negativamente nos jovens praticantes e essa para mim foi a pior parte.
 
MLO – Encontra-se um pouco desiludido pela extinta Direcção Geral dos Desportos, nunca ter reconhecido o seu trabalho?
JP – “Bastante” desiludido é o termo. Não tanto por não ter sido reconhecido, mas pela falta de respeito que se demonstrou aos praticantes em formação e não eram “coisas” para as estatísticas e também falta de respeito por uma modalidade tão nobre e útil na formação do carácter. Eu era muito inexperiente e o Delegado Paúl portou-se de maneira vergonhosa e indigna com o trabalho que estava a desenvolver.
 
MLO – Deve ser um caso pioneiro em Portugal, dar Desporto Federado num Grupo de Escuteiros.
JP – Não era federado na altura, mas creio que sim, foram os que me deram apoio tanto a nível de instalações como em praticantes, assim como também outra situação inédita surgiu em 1975, com o Núcleo de Lutas Amadoras que iniciei na Unidade de Socorro da Cruz Vermelha Portuguesa de Braga de onde saíram os primeiros monitores em Braga e o culminar deste fruto do meu trabalho foi conseguirmos uma Campeã Ibérica.
 
MLO – Chegou a formar alguns Campeões Nacionais? Ou deu aulas a algum Wrestler ou pessoa conhecida?
JP – Como já acima referi, nasceu uma Campeã Ibérica que era, se não estou em erro, uma entre os 8 jovens que na altura foram propostos a monitores de Lutas Amadoras, na sequência deste meu projecto.
 
MLO – Dá-se como o principal impulsionador das Lutas em Braga, porque?
JP – Não diria o principal, mas o primeiro, porque não conhecia ninguém quando iniciei este trabalho (tenho documentos que o provam), nem foi porque me considera-se muito competente, mas porque achei que esta modalidade podia ajudar os jovens da Freguesia Gualtar onde morava, a terem um comportamento mais cívico e integrado e crescerem dentro de regras de disciplina, este trabalho foi reconhecido por muitos Encarregados de Educação. Estes jovens tinham idades compreendidas entre os 9 e os 14 anos e o mais incrível é que aprendi muito com eles também, embora sentisse falta de apoio oficial, o entusiasmo deles incentivava-me a ir em frente.
 
MLO – A Associação de Braga é uma das poucas que se mantém activa, já tentou alguma aproximação?
JP – Não, não sinto essa necessidade
 
MLO – Não tem saudades das Lutas? Não gostaria de regressar e voltar a tentar reactivar o que deixou desactivo.
JP – Saudades? Só dos jovens, que hoje estão adultos, a quem sempre fui fiel, não medindo sacrifícios para os não defraudar. Regressar? Mais não, do que sim. O que deixei desactivo? Penso que não ficou desactivo, alguém teve a coragem de continuar o que iniciei e por uma vergonhosa “traição” de um dos dirigentes que pertencia a extinta DGD Braga, que se aproveitou de uma lesão grave que sofri num treino quando estava a ser organizado o 1º Torneio Ibérico da Cidade de Braga, fui obrigado a bater com a porta e deixar de estar sujeito a canalhices vergonhosas que me iam fazendo perder a cabeça. Mas a modalidade esta bem viva em Braga, tive a curiosidade e o prazer de conhecer a Leonor Pinheiro, que dignifica esta modalidade, está a fazer um excelente trabalho, diria de fazer inveja, merece mais apoio ainda, da Freguesia Martim e sinto-me feliz porque a modalidade não morreu, porque há “Leonores” com coragem e dedicação que eu já não tenho.
 
MLO – Se regressasse, qual era o cargo que gostava de tomar?
JP – Diz bem, se. Mas não vou regressar
 
MLO – Conte-nos como era a modalidade à 30 anos atrás?
JP – Comigo foi assim: 1º dia na AA da Amadora – mandaram-me subir ao tapete, no centro, todos os lutadores em volta de mim, um a um executou uma técnica comigo, sem meiguices, que eu tentava contrariar. Resultado: acabei o treino “roto” e sem perceber o que me estavam a fazer. 2º dia de treino - lá estava eu, ainda a sentir as dores, então o “Mestre Pestana” comentou: “Olha! O gajo tá pronto para outra rodada, porreiro pá, tás aceito na equipa.”, esta era a Pedagogia daquele tempo. Mas sentia-se a admiração das pessoas pelos praticantes das Luta Amadoras e os Jornais de Lisboa publicavam regularmente os resultados das competições.
 
MLO – A Luta é um desporto pouco divulgado a nível nacional, na sua opinião, porque é que isso acontece?
JP – Talvez porque não gere muitos lucros financeiros, mas não compreendo como é que uma modalidade das mais completas para o desenvolvimento físico, das que se praticam com mais lealdade pelo adversário e das mais belas do ponto de vista plástico, tem tão pouca projecção. Os Jornais locais poderiam e deviam divulgar mais esta modalidade, será porque ninguém os contacta?
 
MLO – Que futuro prevê para a Luta?
JP – Hoje em dia, tudo é incerto, só o trabalho de amor e dedicação desinteressada de alguns, salva, o que a vaidade e falta de sensibilidade e incompetência de alguém com poder de decisão sempre estraga.
 
MLO – O que deve melhorar na Luta?
JP – Os apoios e instalações para aqueles que já deram provas que estão a fazer um trabalho sério e não usar as pessoas para servir a modalidade, mas usar a modalidade para servir as pessoas. Quando visitei a jovem Leonor Pinheiro em Martim, fiquei a desejar que lhe dessem melhores instalações, porque o trabalho que ela está a desenvolver é fantástico.
 
MLO – Que acha do projecto do Blog Mundo da Luta Olímpica?
JP – Do que vi é de uma grande ajuda à divulgação da modalidade, tiro o chapéu, ao seu criador.
 
MLO – Partilhe connosco uma história desta modalidade que o tenha marcado.
JP – Num Campeonato Nacional, que se disputava no Ateneu Comercial de Lisboa, faltou um lutador e resolveram fazer um combate extra para preencher o programa, o meu treinador, mandou-me equipar e quando eu olhei para o meu adversário, não o conhecia, mas era um “lingrinhas”, eu era o oposto, tinha uma massa muscular invejável, então o meu treinador disse para mim com uma voz grave: “Vai com calma Jorge!”. Então, eu disse cá para mim: “Está bem, vou ver se não o magoo muito” – todo convencido. Bom, foi a maior tareia que levei na vida, chorei no balneário e então o meu treinador chegou-se a mim e disse: “Eu não te disse para ires com calma pá? E não fiques assim, porque acabas-te de lutar com o Luís Grilo, que é Lutador Olímpico”. Isso marcou-me, aliás, deixou-me todo marcado.
 
MLO – Que última mensagem gostaria de deixar aos leitores desta entrevista?
JP – Referi-me ao que comigo se passou e não no presente, mas gostaria de dizerque estou grato aos continuadores das Lutas Amadoras em Braga, não deixaram que o meu trabalho fosse em vão e sinto admiração por todos os que tentam melhorar a modalidade e não desistem perante as muitas dificuldades, porque amam e acreditam no que fazem, seria bom que infelizes que não sentem esta modalidade, jamais estivessem em posição de decidir com dano e sem respeito pelo trabalho dedicado.
 
Obrigado Jorge Pereira pelo tempo disponibilizado e por ter respondido a estas perguntas de um modo aberto e sincero.

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